terça-feira, 13 de setembro de 2011

O poema do gato de Cassiano Ricardo

.. tigre em miniature.
                            Rollinat


Um gato se aproxima. Está com fome.
Abandonado ao deus-dará da rua.
Daqui a pouco, uma roda que significa o universo ( em seu eixo, o esmagará).
Sem que nenhuma estrela ou flor se mude do lugar onde está.
Chamo-o para junto do meu corpo.
Aqueço-o com o meu sobretudo londrino.
Os seus olhos são verdes. São mais verdes
que os da mulher que o abandonou na rua
ao passar em seu carro, como uma sereia
montada num peixe.

E como (dada a minha condição pedestre)
jamais poderia eu possuir um tigre de Bengala,
farei, deste gato mosqueado,
o meu tigre, que se conservou criança,
para enfeite do mundo, só dos homens

Afinal, para a pequena floresta rotativa onde moro,
me basta este minúsculo tigre, ornamental.

Não posso ter um quadro de Van Gogh,
tenho uma cópia.
Não posso ter dois pintarroxos no ar voando
tenho um, na mão.

( Que é a infância senão a alegria de ter uma coisa por outra?)

Não tenho as coisas do bazar de Deus,
tenho um dicionário.
Não tenho a mulher que vi na última corrida do Jóquei,
tenho a sua fotografia.

(O segredo da vida não está em a gente
se contentar com uma coisa por outra?)
Em meu dicionário de objetos achados,
o gato é o meu tigre.

( Ah, este gato me dará sempre a ilusão de eu ser menino,
aqui, ou caçador de tigres, na África).


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